batata recheada
não tem nada me esperando do outro lado.
não tem luz que revele a feiura dessa vez.
portanto, o que me diz, colega? o que hei de fazer entre os que dormem?
pois acho que é incomum abrir a janela em plena madrugada, enfiar a cara na rede e inalar aquele cheiro de queimado, de carne humana. pensei nisso, mas não tenho certeza. se fosse comprovado que é cheiro de humano cozido saindo de algum desses buracos, esse recente momento ficaria bem mais bizarro.
já que não tenho todas as provas e nem todas as importâncias, vou apenas garantir que eu não vire picadinhos de algum canibal piromaníaco. vou contar: um sujeito veio nesse complexo de prédios e foi a diversos blocos só pra roubar a mangueira da caixa-abrigo (que fica do lado do extintor). daí inventei que um dia viria e atearia fogo pra aumentar o grau de seus crimes. pelo que eu saiba, o sujeito nunca veio. não sei nem se foi preso, nunca mais comentaram nada sobre isso pra mim. sabe por quê? porque eles não têm todas as importâncias; eu continuo não tendo todas as provas. e, sinceramente, acho que não preciso de nada disso...
botar a cabeça no forno ou esperar que um amante do fogo se revele e faça o mais difícil por você?
esperar que algum animal raivoso te rasgue o pescoço ou usar a faquinha afiada do masterchef que seus pais conseguiram numa daquelas cartelas de mercado pra cortar a jugular em um rápido movimento?
a minha cara de bebê foi desaparecendo aos pouquinhos.
as seitas foram aumentando e diminuindo.
o profundo buscador foi encontrado em mim quando eu ainda estava no pré, olhando os outros chorarem, mudarem de ideia, surtarem, me chamarem — "esquerce-me".
quando eu ainda gostava de observar o brilho da minha borracha colorida com desenhos, o brilho do grafite fábrica-castelo, o brilho da baba que ficava no rosto de quem eu beijava. eu gostava tanto de você que, hoje em dia, sequer lembro do teu nome. eu detestava tanto me entreter com todas as risadas salgadas, com todas as suas piadas ásperas, com todos os seus espíritos burros.
eu me vejo naquela salinha, observando o seu brinco de pena balançar, e ranjo os dentes ao escutar o giz feito açoite na lousa verde. tradicional, não? nunca mais vi no meu dia a dia. nunca mais vi a professora grávida, a flávia, a andreia, a ruiva, a ana. ah, aninha!
não é louco tudo isso? eu tinha ficado meses, ou quase um ano, sem vê-la. quinto ano. avisto-a na calçada, a caminho da entrada, com o sol forte do meio-dia torrando o coco de quem passasse. o calor foi a iluminação. então pulo logo pra fora do carro e, correndo, vou pra alcançar. o corredor vazio, a saída da manhã e a espera da tarde. chamo pelo seu nome, olha, vira, abraços, beijinhos... choro, choro, emoção e emoções... eu faria de tudo pra poder encontrar, correr, abraçar e chorar nos braços de alguém tão especial de novo.
o problema é que me falta a inocência e o amor puro de antes. o amor puro que não sabe o nome do seu pai, da sua filha, mas sabe que te doeu o suicídio do seu sobrinho, que te doeu a insensibilidade da criançada. toma as dores pra si e te pede chorando, pois não consegue parar de chorar nunca.
não choro mais, não consigo, me dói tudo por dentro. e aí eu te pergunto: quem é que vai pegar essas minhas dores pra si e escrever, chorando, uma carta sincera cheia de amor puro?
ninguém. ninguém mais é capaz.
vai ver deve ter passado o tempo de achar Deus nas pessoas, já que agora só encontro rastros do que poderia ter sido lindo — e não basta. eu preciso ter o bonito comigo, senão acaba a comida em casa, acaba o sono, acaba a plenitude interna de amar.
as minhas complicações e consequências se tornam mais um saco de batatas pra carregar nas costas. por mais pesado que seja, não significa nada. não significa. eu acredito no significado que vier à mente, porque tudo faz tanto sentido, tudo é tão legal e criativo que me faz querer viver!!!
engulo os toques divertidos do som, as cores vibrantes, o seu linguajar sofisticado, misturo no meu ácido e as sobras são lastimáveis.
fica um rombo, fica fome, fome, fome... fica um pedido desesperador do peito que, quando eu finalmente estufada fico, não pede arrego, não apresenta melhora, é o instável mais permanente que toma e me engole. misturada em seu ácido, me faz de rombo.
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