ganância, paciência, complacência
eu tava aqui, o dia inteiro coçando, e ainda tive a audácia de — enquanto eu mijava — ficar me lamentando por toda essa futilidade.
comi doce e tentei me convencer que, no fim das contas, teria algo de bom pra assistir. desisti. fiquei me enrolando na coberta pra dar uma breve cochilada de 20 minutos, até alguém me importunar. de novo.
e a cada hora que passava eu me distanciava ainda mais daquele sentimento que em alguns lindos momentos me iluminou — e agora parece só ter sobrado pensamentos importunos, TOTALMENTE involuntários. é... vai, quase totalmente.
memórias que vivem me assombrando.
em busca de um refresco, fui inventar de abrir a janela do meu quarto. ok.
daí, minha irmãzinha fofinha pegou as minhas canetas, os meus marca-textos e o meu lindo bloquinho de notas com gatinhos, que foram colocados em cima de fundos das respectivas cores: rosa, azul e amarelo. tinha até um velcro pra abrir, uma gracinha.
ela jogou quase tudo que estava na caneca que fiz de porta-lápis pela janela. quinto andar. acho que deve ter jogado até o meu chaveiro de cupido.
é, pois é... grande experiência essa — só que não, já fez isso antes. não com meu material, e sim com o da minha querida irmã gêmea, artista. ela ficou bem brava.
tive que descer pra ver se eu achava alguma das minhas coisas. achei quase tudo, eu acho. só que alguém pegou o MEU bloquinho de notas com gatinhos meigos desenhados, e isso me deixou brava. eu quero de volta.
mas eu não acho que posso ficar brava com a nanazinha. não mesmo. é, tipo, uma crueldade. ela vive num niilismo sem saber o que é levar uma vida niilista. ela se embriaga de livre-arbítrio, da ação de quebrar, de ver se estrambelhar. como é que poderia ver importância numa caneta, num cupido?
admito que admiro.
consigo imaginar ela, animada, vendo a gravidade fazer o teu serviço.
ah, e jogou uma espécie de porta brincos, sei lá. uma caixinha de gesso, porcelana. faço nem ideia. só sei que é bonitinho — cores pastéis, um ursinho em cima de um pato gigante que tem um laço no pescoço.
ela jogou e ficou em pedaços. achei alguns, mas faltou a cabeça deles.
nanazinha consegue ser bem agressiva quando quer.
quando a falta de controle sobre seus impulsos quer.
deve ser difícil, transbordar e ninguém te entender, ninguém ter paciência pra lidar, ninguém saber o que você precisa, o que quis dizer com tal palavra.
deve ser difícil, pra mim, ter um fardo desses.
carne e osso. carne e osso. carne e osso.
pessoas vivem me assombrando.
quando voltei com alguns dos materiais, subi, fui para o meu quarto, guardei, sentei na minha cama — e logo veio ela. se deitou, olhou pra mim com aquela carinha fofa, e eu coloquei as minhas mãos nas suas bochechas, me puxou como se tentasse me abraçar.
brinquei de estar brava. a mão direita dava um tapinha, depois a mão esquerda dava outro tapinha.
"para de ser maldosa, giovana"
nem foi forte. outra coisa: ela merece.
tenho alguns pontinhos no braço que são mais claros que o resto. pequenas cicatrizes de beliscadas cuja força não tem estribeiras.
e admito que admiro!
é se defender. é buscar mais e mais violência. é viver sem saber o que caralhos significa isso. é quebrar, quebrar outra vez porque não vejo o resto, os outros. é olhar pra cara dela e não conseguir imaginar como seria ter essa neurodivergência.
é mais do que uma solidão qualquer — é ser uma criatura fora de qualquer realidade que já foi me apresentada antes. é um fardo. é gozar sem entender por que se goza. é prazer, e somente isso.
faz 9 anos desde que senti, pela primeira vez, uma falta de tanto amor incondicional.
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